quarta-feira, 26 de novembro de 2008

A FORMAÇÃO DE UMA SOCIEDADE DE CONSUMO EM BELÉM

RESUMO
Estudar a sociedade do consumo em Belém, no contexto latino-americano, é um desafio para os comunicólogos desta cidade. Este artigo tem a pretensão de mostrar a realidade da capital paraense, símbolo de um sonho que se iniciou no século XIX com o ciclo gomífero, no contexto do consumismo decorrente dos desejos de modernismo estabelecidos no início do século passado e que, em contrapartida, não traz avanços simbólicos na estrutura superficial da cidade.

Palavras-chave: sociedade de consumo, Belém, hibridação cultural.

A FORMAÇÃO DE UMA SOCIEDADE DE CONSUMO EM BELÉM

Formação do conceito de sociedade de consumo
O novo posicionamento das classes populares, a sua nova composição e comportamento começaram a ser estudados já no século XIX. Essa sociedade, agora classificada como sociedade de massa (BARBERO, 2003), se apresenta de uma nova maneira. As multidões não são mais um monte de gente inerte à industrialização – primeiro no Velho, depois no Novo Mundo – contribuiu grandemente para uma mudança (para melhor) do rumo da sociedade.
Percebeu-se que nesse século as massas estavam se organizando. A produção de bens culturais passou a se dar em larga escala. Claro que isso foi um susto para a burguesia. Não se produzia mais uma cultura fechada, destinada a um número reduzido de pessoas. Os bens simbólicos passaram agora a ser direcionados a uma imensa quantidade de pessoas.
Essa mudança teve um grande empurrão da própria massa de trabalhadores. Lutavam pela igualdade social: todos, diziam, têm o direito a hospitais escolas, lazer, diversão... (BARBERO, 2003). Estudiosos da época – a maioria com uma visão de direita – questionavam o posicionamento das massas: uma sociedade igualitária enforcaria as liberdades individuais, pois a massa acabaria se tornando homogênea e mais fácil de ser manipulada.
O povo do século XIX mudou drasticamente suas características comportamentais. As multidões que antes eram facilmente manipuladas passaram durante esse período a se organizar, o que incomodou as elites aristocráticas. A resposta foi imediata: a poderosa burguesia se utilizara das mais variadas ferramentas para controlar qualquer situação. (Uma contradição histórica, uma vez que a própria classe burguesa se havia apoderado de revoluções para conquistar o poder político que detinha naquele momento – e até hoje! Na verdade, se não tivesse posto um freio, as camadas trabalhadoras estariam em um patamar bem mais elevado).
Porém, ainda segundo Barbero (2003, p. 54), nem todos vias com maus olhos essa repentina transformação da dinâmica da sociedade. Tocqueville afirmava que as massas se encontravam no século XIX dentro do sistema político: dissolvendo o tecido das relações de poder , já que pondo-se em um lugar, talvez, vazio, manifesta seu poder de intervenção política; faz surgir – ou obriga esse surgimento – um novo jeito de produzir cultura, numa escala de produção jamais vista na história.
No contexto latino-americano a escola moderna traz uma nova linha de pensamento da realidade, da sociedade (CANCLINI, 2003). Buscou-se aqui imitar o comportamento do povo europeu: o consumo e produção de bens industrializados e a sua circulação. O que aconteceu nessa região, na verdade, foi uma adaptação das estratégias de consumo do continente europeu – e também norte-americano.

Hibridação cultural na América Latina
A realidade vivida na América Latina é muito contraditória. Popularizou-se a cultura. Muitos tinham agora acesso a música, TV, roupas e muitos outros bens simbólicos dignos da sociedade moderna. Veio o modernismo, mas não a modernidade. A qualidade dos produtos vividos da indústria era muito boa. Contudo, a modernização da sociedade – construção de esgotos, organização do espaço público – era deficiente, senão para poucos (CANCLINI, 2003).
Vemos nas sociedades latino-americanas um misto de culturas: ao passo que nascem engenheiros, cientistas e químicos renomados, temos também encanadores, pedreiros e vendedores ambulantes. Todos eles disputando o mesmo espaço público, conversando – nas horas vagas – sobre assuntos muito comuns (como esporte, corrida presidencial, etc.). Entretanto, ao mesmo tempo em que há semelhanças, muitas outras os distanciam.
Ter um lugar de boa localização, seguro e confortável é um luxo que poucos têm acesso. Uma vez que o quadro de violência se instala, ninguém, parece, está livre de assaltos a mão armada, seqüestros relâmpagos, arrombamentos domiciliares. Pouco a pouco – e o inchaço populacional das cidades toma parte nisso – efeitos colaterais da modernização mostram a cara. Ora, diante dessa realidade, é plausível o ponto de vista de Coelho (2001, p. 21) sobre essa modernidade, que não veio:
O distanciamento entre produção cultural e povo não será, na modernidade, tanto uma questão de especialização na matéria cultural quanto um problema de autoritarismo no trato com a coisa pública. O que leva a concluir que o “projeto da modernidade” mudou muita coisa mas em nada ou quase nada ajudou esse aspecto nuclear da vida em sociedade.

Belém no contexto latino-americano
Depois de tudo o que já foi exposto, vamos analisar agora a cidade de Belém, capital do Pará. O projeto de modernização da cidade de Belém se iniciou no séuclo XIX, no período áureo da exploração de látex da seringueira (MORAIS, 2002), árvore muito comum na região amazônica. Nesse período, houve o enriquecimento de muitos, tanto os que investiam na extração da matéria-prima da borracha como os que forneciam subsídios aos barões da borracha – os chamados aviadores, mas não do pobre nordestino que literalmente era quem colocava a ‘mão na massa’.
Através desse repentino desenvolvimento econômico e da estreita relação com a sociedade parisiense, cujos costumes eram imitados pelo mundo inteiro, foi pensado pelas lideranças políticas da nossa cidade a modernização, a urbanização dessa que viria a ser uma das metrópoles da Amazônia.
A bèlle-èpoque foi um grande passo na história da cidade no sentido de embelezamento urbano (MORAIS, 2002). O então intendente de Belém – cargo que hoje é semelhante ao de prefeito -, Antônio Lemos construiu muitos monumentos que são testemunhos dessa arrojada pretensão de modernização. Ruas largas, bosques, praças arborizadas, esgoto. Ícones da modernidade. A alta sociedade paraense gozava de uma infra-estrutura que poucas cidades brasileiras tinham na época. O Teatro da Paz foi palco de grandes espetáculos e personagens que vinham especialmente da Europa. Fomos a segunda cidade mais importante da República, atrás somente da capital: Rio de Janeiro.
Fomos. Apesar do desejo de continuar sendo uma cidade moderna, perdemos espaço para outras belas cidades, que se modernizavam com a chegada da indústria. Mas não deixamos de ser uma sociedade de consumo. Pelo contrário: a produção em massa de bens de consumo só possibilitou o acesso à compra desses “objetos” a pessoas das camadas mais populares.
Hoje, pessoas da periferia possuem TV’ de 29 polegadas, aparelhos de som, DEVD’s; forno microondas, geladeira; aparelhos portáteis de reprodução de música (mp3), de vídeo (mp4); celulares com as mais variadas funções (gadgets); além do acesso à Internet banda larga, que tem se tornado cada vez mais barato e popular. A difusão e produção em larga escala abre caminho para que pessoas que ontem viviam no espaço rural se desloquem para os centros urbanos como Belém, em busca de facilidades das grandes cidades.
Todos esse conforto, contudo, não veio acompanhado de planos de melhoria da infra-estrutura urbana. Há carências, em Belém e outras cidades latino-americanas, de moradia, saneamento básico, e outros serviços essenciais para a qualidade de vida da população. Isso desemboca na proliferação de favelas; da ocupação de áreas próximas a mananciais ou lagos que abastecem a cidade com água potável; não há creches suficientes para todas as crianças, nem vagas para os jovens nas escolas, nem ensino satisfatório.
Verificamos, assim, uma grande contradição já apontada por grandes estudiosos das ciências sociais e comunicação. Canclini (2003, p. 67) evidencia a falta de políticas públicas de organização desse caos social, em que a população apresenta problemas graves na educação e sua conseqüência no acesso à cultura. Ou seja, “A hipótese mais reiterada na literatura sobre a realidade latino-americana pode ser resumida assim: tivemos um modernismo exuberante com uma modernização deficiente”.

Considerações Finais
Em suma, a indústria cultural pode até ter permitido às massas acesso à cultura – mesmo que muitos afirmem ser essa esteticamente de ‘mau gosto’ (MOLES) – necessário, porém, fazer muito mais para que possamos ter uma sociedade justa.
Referências bibliográficas

BARBERO, Jesús-Martín. Dos meios às mediações. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2003).
CANCLINI, Nestor García. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo: EDUSP: 2003.
COELHO, Teixeira. Moderno e Pós-moderno: modos e versões. São Paulo: Iluminuras, 2001.
MOLES, Abraham. O kitsch. São Paulo: Editora Perspectiva, 2001.MORAIS, Stela Pojuci. A urbanização de Belém no período colonial. In: _____. As “cidades” de Belém e sua urbanização no período colonial e no “boom” da borracha. Belém: Editora UNAMA, 2002. Texto 4, p. 23.